Por que a teoria das doze camadas da personalidade ainda é relevante

 

De vez em quando, vejo alguém reclamando que já se falou demais na teoria das doze camadas da personalidade de Olavo de Carvalho.

A última rodada de reclamações começou porque o Ítalo Marsili anunciou uma formação sobre o tema.

Pois eu acho que o assunto está longe de ser esgotado.

Eu digo isso principalmente por três motivos:

  1. As pessoas ainda erram muito na interpretação da teoria;
  2. Ela não serve apenas para o diagnóstico individual, mas também para entender dinâmicas sociais;
  3. Ela nos ajuda a entender – e superar – um dos principais problemas da cultura brasileira.

No ensaio abaixo, explico esses três pontos.

Um erro comum: as camadas não desaparecem

Creio que não é preciso fazer nenhuma introdução à teoria das doze camadas.

Talvez seja uma das teorias mais populares do Olavo – mérito da própria teoria, evidentemente, mas também do grande esforço de divulgação e ampliação das suas aplicações, feitas por vários dos seus alunos, como o Ítalo Marsilli e o Francisco Escorsim.

Porém, eu vejo que o público ainda se atrapalha com algumas questões – o que é totalmente normal, aliás, pois é natural que quem acabou de chegar precise de um tempo para entender o que os alunos do professor Olavo já vinham digerindo há décadas.

O primeiro erro é tomar a teoria das doze camadas como uma escala evolutiva e começar a tentar passar o mais rapidamente possível de uma camada para a outra.

Geralmente, essa pressa vem acompanhada de uma série de vícios, como se preocupar em "rankear" as pessoas, desprezar quem é "quatro camada" e ter uma visão idealizada do que seria a tal "vida intelectual".

Por que isso está errado?

Obviamente, não é errado querer amadurecer. Um dos méritos da teoria é mostrar que existem ambições mais elevadas do que outras.

Porém, notem que Olavo usou o termo camadas e não etapas. Por que ele teria feito isso?

Em primeiro lugar, porque as camadas anteriores não desaparecem só porque você passou a ter preocupações mais elevadas.

As camadas não são questões que são superadas para sempre quando se "passa de fase". Ao contrário, elas vão se agregando à nossa personalidade e influenciando toda nossa trajetória futura.

Mesmo alguém maduro, que esteja olhando para trás e analisando sua trajetória de vida, ainda terá padrões afetivos que podem lhe causar sofrimentos e dificuldades.

O fato desses padrões terem deixado de ser dominantes não quer dizer que eles tenham desaparecidos. Significa apenas que a pessoa mais madura vai dar menos importância a eles do que a outras coisas. 

E o problema vai ainda mais longe…

A pressa em avançar nas camadas é sinal de um deslocamento existencial

Novamente: querer amadurecer é louvável. Mas querer passar de camada por si mesmo é contraditório até com a própria teoria das doze camadas.

Perceba o seguinte: um dos principais objetivos da teoria é ajudar as pessoas a entender a sua situação existencial.

A teoria serve para identificar qual é o ponto de sofrimento central na alma da pessoa, isto é, qual é a fonte real que a move naquele momento.

Isso é mais complicado do que parece, pois uma mesma situação pode ser sentida em diferentes níveis. Um exemplo simples: alguém é demitido do trabalho. Obviamente, é normal sofrer depois desse acontecimento.

Porém, qual é a raiz específica desse sofrimento em particular?

É o sentimento de rejeição afetiva – de não sentir que seus antigos colegas lhe amavam de verdade? Ou é o sentimento de se sentir incompetente, incapaz de contribuir objetivamente para a sociedade? Ou, ainda, a preocupação em ter escolhido uma trajetória de vida equivocada?

A teoria das camadas serve para você identificar exatamente qual é a raiz da dor nessa situação, possibilitando encontrar o remédio adequado.

Em outras palavras, a teoria mostra que há vários desafios existenciais diferentes ao longo da vida, e cada desafio precisa ser vencido para que possamos passar para o próximo.

Por exemplo, você precisa se sentir seguro das suas forças para realizar um trabalho objetivo no mundo (a camada 5 vem antes da 6); e precisa ter uma contribuição concreta na realidade antes de poder se inserir em um sistema de direitos e deveres (a camada 6 vem antes da 7).

Porém, veja que em nenhuma das etapas o seu desafio é exatamente "avançar de camada". Você avança de camada indiretamente quando seu foco existencial muda para algo mais elevado – e não porque seu foco agora é "pular de fase".

Inflação normativa

Eu vejo que isso é um sintoma de um problema cultural mais geral, que consiste em transformar tudo em regras.

Nós estamos em uma época de inflação normativas. Tudo vira regrinha.

Em vez do sujeito ler a teoria do Olavo e entender qual o sofrimento que ele está realmente sentindo, ele cria uma nova norma (e um pseudo-sofrimento): "preciso pular de camada o quanto antes".

O que deveria ser óbvio: ninguém precisa se preocupar em mudar de camada só por mudar. Mas sim, em usar a teoria para entender qual é o sofrimento real por trás desse desejo e resolver o problema concreto por trás dele.

O amadurecimento é uma consequência indireta de encarar a realidade – e não um objetivo em si mesmo.

As doze camadas como ferramenta de diagnóstico social

Outro motivo para estudar a teoria: ela não serve apenas para diagnosticar casos individuais, mas é também uma ferramenta poderosa para entender as dinâmicas sociais.

Olhar para a sociedade por esse ângulo revela aspectos que não aparecem nas discussões de política ou economia. 

Por exemplo, quando as pessoas descobrem que moro no Canadá, elas geralmente me perguntam sobre o aspecto econômico (custo de vida, renda, etc.) ou questões políticas (progressismo, parlamentarismo, etc).

Ora, tudo isso é certamente importante, mas o fator mais notável que percebi na minha adaptação aqui no Canadá foi que uma parcela enorme da sociedade estava solidamente instalada na sétima camada.

Existe aqui um sistema bem claro de direito e deveres, criando uma estrutura clara de expectativas e reciprocidade nas relações sociais. 

Essa estrutura facilita muito a vida dos mais jovens – pois recebem orientações claras sobre como desenvolver habilidades concretas – e também de quem é mais experiente, pois é mais fácil se concentrar nos problemas reais sem ter que continuamente defender seu lugar na sociedade.

Esse ambiente facilitou muito minha adaptação ao país.

Quando estava no Brasil, apesar de ter começado a ensinar em faculdades de ponta ainda muito jovem, eu precisava diariamente convencer os alunos e até alguns professores do valor do conhecimento.

Era como se a própria profissão de professor não estivesse bem encaixada na sociedade e que tudo precisasse ser renegociado diariamente.

Quando cheguei aqui, a situação era muito mais clara. Em poucos anos, pude criar um rede tanto de mentores como de mentorandos. Ou seja, tanto recebo orientações valiosas de pessoas mais experientes, como alguns jovens passaram a me procurar espontaneamente para que eu os ajudasse em suas carreiras.

Com isso, não estou dizendo que a sociedade canadense é perfeita – longe disso.

Porém, a existência de papéis sociais estáveis gera enormes vantagens – e é algo que você nota quando utiliza a teoria das doze camadas para ler as dinâmicas sociais.

As camadas esquecidas

O valor da teoria não está apenas no diagnóstico – está também no tratamento.

Quando usamos a teoria para entender a sociedade brasileira fica óbvio que temos uma deficiência enorme em preparar as pessoas para a sexta e a sétima camada.

É justamente por isso que eu tenho criticado o foco excessivo na tal vida intelectual.

Embora eu seja o primeiro a reconhecer o valor do intelecto em diversas situações (nesse vídeo por exemplo), isso não pode levar a uma negligência dos outros aspectos da vida.

Afinal, é impossível ter um debate cultural saudável se os debatedores estiverem inseguros de sua posição na sociedade – seja porque não são capazes de executar projetos e se manter financeiramente, seja porque precisam da adulação do público para manter a integridade da sua auto-imagem. 

Nesse ambiente, mesmo as pessoas mais talentosas irão terminar falsificando suas posições – seja mentindo para si mesmo ou para os outros (o que dá na mesma) – se tentarem levar uma "vida intelectual" antes de terem um mínimo de maturidade em relação às outras dimensões da vida.

Além disso, em uma sociedade tão instável quanto a brasileira – cheia de choques econômicos, reviravoltas políticas, tensões sociais – ninguém está livre de precisar novamente enfrentar problemas típicos da sexta e sétima camada.

No Brasil, é extremamente comum precisar recomeçar a carreira, lidar com problemas familiares e administrar as relações instáveis com funcionários e colegas em um cenário onde os papéis sociais são confusos e as possibilidades de ação concreta são extremamente limitadas.

Ou seja, independente de onde cada um esteja na sua trajetória de amadurecimento, para operar no Brasil, precisamos estar sempre atento às questões da sexta e sétima camada.

A importância da vida concreta

Foi por perceber isso que resolvi mudar o foco dos meus textos e vídeos: percebi que a cultura brasileira precisava de mais recursos para lidar de um modo inteligente com a vida concreta.

Infelizmente, esse campo é repleto de gurus de produtividade que se limitam a repetir regras genéricas ("acorde cedo", "trabalhe mais", etc.) ou, pior ainda, trazem, implicitamente, uma série de princípios éticos e metafísicos extremamente prejudiciais ("pensamento positivo", supervalorização do dinheiro, etc.).

Ou seja, os brasileiros ficam em uma cilada: ou se voltam para essa literatura superficial de auto-aprimoramento ou imaginam que apenas após anos de uma formação clássica vão aprender como pagar os boletos.

É preciso uma terceira alternativa.

É preciso encontrar respostas para os desafios da vida concreta.

Como utilizar a razão para guiar as nossas vidas?

Qual o melhor modo de resolver os obstáculos do dia-a-dia?

Como deixar um impacto profundo e benéfico no mundo?

Essas não são questões superficiais, puramente práticas, que seriam facilmente superadas e esquecidas ao alcançar as camadas superiores.

O modo como respondermos a essas questões se tornará uma parte fundamental da nossa personalidade – um ativo que carregaremos pelo resto da vida e que irá criar as possibilidades de expressar os demais interesses que iremos cultivar ao longo da nossa jornada.

O valor perene da teoria das doze camadas

Em resumo: a teoria das doze camadas da personalidade continua extremamente relevante.

Estudá-la é extremamente proveitoso – especialmente se tivermos a sabedoria de vê-la como uma ferramenta para superar os desafios concretos da existência.

Foi justamente inspirado nessa teoria que tenho procurado criar ferramentas para ajudar meus alunos a terem um impacto mais efetivo na realidade e, por tabela, encontrarem um lugar social mais estável.

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